Belém do Pará

Eu vivia aqui. E aos poucos fui percebendo quando chegava pelos arredores de casa, próxima àquela esquina. E a lógica do caminho até a escola, num ônibus verde e branco após, exatas, 8 paradas. Um sorvete gigante anunciava a alegria que estava por vir. Ouvia seu nome, mas, sem contexto, apenas repetia uma palavra quando me perguntavam de onde eu era. O cheiro da pipoca antecedia à sessão do cinema e, nela, as balas de leite e gomas de Mentex que eu não dividia… Lembro-me de correr por um grandioso jardim, me esconder em casinhas gradeadas espalhadas, ou me esconder embaixo de escadas; por entre rios de mentirinha alimentava peixes; confesso que adorava tomar banho do xixi do papai do céu. Percebia quando estava furioso e que, após as malcriações, viria um barulho estrondoso dos céus obrigando-me a pedir-lhe desculpas. As árvores-de-natal anunciavam as surpresas; e os primos e amigos eram aguardados para celebrar a noite de nascimento do Papai Noel (?!?) Mergulhava em um caldinho amarelo as folhas verdes de sei lá o quê; delirava quando meus lábios tremiam. E ria, ria, ria. Ria mais ainda quando pintava a boca toda com uma sopa escura e deliciosa; a hora de me transformar no super-homem estava por vir, procurando pelo ferro que diziam ter ali. E diante daquela imensa loja, o sorriso anunciava a festa pelos livros que eu ganharia, e massinha de modelar, cartolina para rabiscar… que nos costumes de mamãe, me convidada para acompanhá-la naquela esquina, lá em baixo… Havia um grande relógio no meio da praça e, ao que contavam, era do moço dono de tudo. Passei a ter noção do espaço ao longo do tempo; aquela santinha numa tal de berlinda (??), cheia de flores e iluminada; e por perto uma multidão se aglomerava. Vê-la exigia de mim grande esforço e escalada, até o cangote de meu pai. Desse cangote também eu buscava ver os bichos por cima daqueles muros enormes, construídos para crianças jamais verem, por conta própria, as ariranhas, os jacarés, as cobras que eles escondiam… Associava sempre os bichos a uma nuvem doce de comer, que dissolvia na boca. Uau. E correr pelas ruas jogando travinha, me embrenhar pelos cantos para fugir na pira se esconde, matar a sede nas águas daquele refrigerante…, como tudo valia a pena! No campo gigante vibrava com cada gol do Leão, me entusiasmava com o grito da imensa torcida… mas também, com os beijos de moça, com as laranjinhas, com os picolés… Por certo que ninguém pede pra nascer aqui ou acolá. O lugar nos escolhe, prefiro pensar assim. Nasci aqui. E toda beleza que eu via, todos os amigos que eu tinha, minha casa e tudo o que mais amava faziam parte deste “aqui”. Costumes, prazeres, tudo em mim estava conectado com este lugar. E então me percebi, de repente, numa relação íntima com aquela que me viu crescer, que não economizou mangas para me fazer desviar, comer, aprender… Amadureci. E aquele xixi do papai do céu continuou fazendo parte da minha vida por aqui… os amigos continuei a encontrar… minhas paixões - ou quase todas - conheci neste lugar. A morena do encanto, que de suas mãos derivam sabores que me embriagam, caprichos gastronômicos que antes não sabia o nome, e hoje apresento como açaí, maniçoba, tacacá… o caldinho amarelo hoje é meu tucupi; a folhinha verde o jambu, do qual já fazem até cachaça; onde o tempo previsível faz chover todas as tardes ou, por meses, o dia inteiro; correr por suas ruas históricas e admirar suas construções seculares me fazem um bem tão bem… Reconhecer que Batista Campos dá nome à praça dos rios de mentirinha e que estes são de mentirinha mesmo; ou que aquelas casinhas eram os coretos da Praça da República... Aos arredores do Ver-o-peso me delicio com o peixe-frito, compro minhas frutas prediletas, meus antídotos preciosos… Cultivo o orgulho quando apresento minha terra a alguém… Vou à Estação ou por entre rios, ilhas ou mananciais? Ao Mangal ao som do brega, do carimbó, ou apreciar uma de suas inúmeras riquezas culturais? Ofereço-lhe uma prova do bacuri, do picolé de uxi, do cupuaçu, ou do verdadeiro açaí? Volte em outubro! - sempre digo – Pra eu te surpreender com a tradução da união que habita em nós. Verás promesseiros, apaixonados, aventureiros… Te emocionarás com a procissão; veremos a Virgem de Nazaré juntos; e também os fogos, a corda, a fé de nosso povo em sintonia com as mais belas causas... Ah, o Círio de Nazaré! Nesta Terra, os dias reunidos construíram a minha história. Por ela canto, recito, me declaro, lhe defendo. Sou um apaixonado… Na saudade, fecho os olhos para me ver em verdades… Ah Belém, minha íntima conselheira, a quem tantos se referem como Belém do Pará; como me emociona, na despedida, ter a certeza de que no final, contemplarei a felicidade ao lhe reencontrar. Porque sempre voltarei para cá!

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